quinta-feira, 21 de agosto de 2014

“I CAN’T STOP LOVING YOU” - RAY CHARLES


“Gênio é a mais alta das categorias e eu acredito que Ray Charles não está sequer próximo dessa categoria”Ray Charles.

“Ray Charles é o único gênio verdadeiro neste negócio de música”Frank Sinatra.

“Pode parecer sacrilégio, mas na música considero Ray Charles mais importante que Elvis Presley”Billy Joel.

Acima os irmãos Ertegun
(Ahmet e Nesuhi);
 abaixo Jerry Wexler e Ray Charles.
A opinião de Ray Charles parece não ter muito valor quando artistas tão importantes reverenciam seu talento e criatividade que o tornam um músico fascinante. A carreira de Ray Charles é bastante conhecida, ainda mais após o magnífico filme sobre sua vida, estrelado por Jamie Foxx, produzido em 2004. Desde 1949 Ray Charles gravava em pequenas gravadoras, até que em 1952 assinou com a Atlantic, onde os irmãos Ahmet e Nesuhi Ertegun e mais o produtor Jerry Wexler deram total liberdade ao jovem pianista que também compunha e cantava. A primeira gravação de Ray que assombrou o público foi “Mess Around” (1953). E com a gravação “I Got a Woman” (1954), o Rhythm and Blues já sabia que Ray era diferente de tudo que se fazia naquele gênero de música dominado predominantemente pelos negros. Essa sua canção mesclava Rhythm and Blues (R&B), gospel e blues, sendo uma das músicas fundamentais à criação do nascente fenômeno chamado Rock’n’Roll. “I Got a Woman” atingiu o primeiro lugar da parada de sucessos exclusiva do R&B, colocação também alcançada pelas gravações de Ray Charles “A Fool for You”, “Mary Ann”, “Drown in my Own Tears” e “What’d I Say”, esta em 1959. Público, crítica e outros artistas se renderam à força rítmica de “What’d I Say”, verdadeira explosão sonora em meio à mesmice que havia se transformado o Rock’n’Roll. Além dos ingredientes comuns à música de Ray, essa contagiante gravação tinha ainda uma latinidade desconhecida na música do cantor-pianista. “What’d I Say” chegou ao 6.º posto do Billboard popular e não demoraria muito para Ray Charles dominar também esse segmento do hit parade.

Discos de Ray Charles nos tempos da Atlantic Records.

Sid Feller e Ray Charles durante
uma gravação.
A recém-formada gravadora ABC-Paramount pretendia ter um cast de artistas capaz de rivalizar com as gigantes RCA, Columbia e Capitol, tirando Ray Charles da Atlantic Records a peso de ouro em novembro de 1959. Já em seu primeiro ano na ABC-Paramount (1960) Ray Charles chegou ao 1.º lugar do Hit Parade com “Georgia on my Mind”, single que foi depois incluído no LP “The Genius Hits the Road”. Desse mesmo álbum chegou ao 1.º lugar em 1961 a esfuziante “Hit the Road Jack”. No Brasil Ray Charles fez relativo sucesso com “Stella by Starlight” e “Ruby”, ambas do álbum “Dedicated to You”, de 1961, que igualmente vendeu bem por aqui. Ray Charles já havia se firmado no cenário musical como artista do R&B e mesmo de jazz. Seu LP “Genius + Soul = Jazz” chegou ao 4.º lugar entre os mais vendidos da Billboard. Em 1962, através do produtor Sid Feller, foi proposto a Ray Charles gravar um álbum com canções country e western. Ray, que na infância ouvia muita música country nas rádios da Flórida onde vivia, aceitou o desafio. Quase que unanimemente Ray foi ‘alertado’ do inevitável fiasco que seria esse disco que contrariava as raízes musicais do pianista-cantor e que prejudicaria sua carreira. Foi quando Ray avisou que não cantaria no estilo Country e Western, mas sim levaria essas canções ao ‘Estilo Ray Charles’. Foram selecionadas 150 canções standards da música ‘caipira’ norte-americana, das quais Ray escolheu 12 para o álbum que recebeu o pomposo título ‘Modern Sounds in Country and Western Music’.

Long-plays de Ray Charles na ABC-Paramount que antecederam 'Modern Sounds'.

Gravado em fevereiro de 1962 nos estúdios da Capitol Records, o disco foi lançado em maio desse mesmo ano, aparecendo já no 10.º posto. Na semana seguinte ‘Modern Sounds’ pulou para a 2.ª colocação e em sua terceira semana atingiu o primeiro lugar, desbancando dessa colocação a trilha sonora musical do filme “West Side Story”. ‘Modern Sounds in Country and Western Music’ permaneceu em 1.º lugar entre os álbuns mais vendidos nos Estados Unidos por 14 semanas consecutivas, ficando entre os dez LPs mais vendidos por 33 semanas, ou seja, pelo resto do ano de 1962. O retumbante sucesso desse álbum fez com que, em setembro de 1962, Ray voltasse ao estúdio para novas gravações de outro disco que complementava ‘Modern Sounds’. Em novembro desse mesmo ano o novo álbum foi lançado com o título ‘Modern Sounds in Country and Western Music – Volume II’, que em seu lançamento apareceu já na 10.ª posição, chegando ao 4.º posto entre os mais vendidos. Esse segundo álbum, gravado no mesmo estilo do primeiro, é excepcional e não é exagero afirmar que supera bastante o anterior, ficando, no entanto, ‘apenas’ 15 semanas entre os dez mais vendidos nos Estados Unidos.

Contracapa da edição brasileira de 'Modern Sounds in Country and Western Music'.
No destaque a relação das canções, notando-se que "I Can't Stop Loving You"
era a penúltima canção do lado B, ou seja, ninguém apostava muito nela.

Don Gibson, autor de
"I Can't Stop Loving You".
Das 12 músicas selecionadas para o LP ‘Modern Sounds in Country and Western Music’, a que se destacou nas vendas como single (compacto-simples) foi “I Can’t Stop Loving You”. Essa canção foi composta e gravada em 1958 por Don Gibson, mas foi na versão de Ray Charles que alcançou estrondoso sucesso. “I Can’t Stop Loving You” apareceu direto em 18.º lugar entre as 100 gravações mais vendidas nos Estados Unidos em maio de 1962, pulando para a 1.ª colocação na segunda semana de seu lançamento nas lojas. “I Can’t Stop Loving You” ficou em primeiro lugar por cinco semanas, conquistando o Disco de Ouro por ter vendido mais de um milhão de cópias. Apenas em 1962 a venda total desse compacto atingiu um milhão e meio de cópias. No Reino Unido “I Can’t Stop Loving You” repetiu o fenômeno de vendas norte-americano, chegando igualmente ao primeiro lugar das paradas, o mesmo acontecendo no Brasil, onde a canção ficou várias semanas entre as mais vendidas. Os discos da ABC-Paramount eram lançados no Brasil pelo selo Polydor, da Companhia Brasileira de Discos, que retardou o quanto pode o lançamento do compacto simples com “I Can’t Stop Loving You”, forçando a venda do long-play ‘Modern Sounds in Country and Western Music’. Os lojistas cansavam de responder que o compacto-simples daquela música de Ray Charles ainda não havia sido lançado e com um sorriso maroto diziam: “Leva o long-play que vale à pena!” Don Gibson compôs "I Can't Stop Loving You" dentro de um trailler num dia de calor intenso. A canção ficou por muito tempo sem título pois Gibson não encontrava o título apropriado e que acabou sendo o primeiro verso da música.

No vídeo abaixo letra e música de "I Can't Stop Loving You" na voz de Ray Charles.



Ray Charles e The Raeletts.
Outra canção que vendeu bem em compacto (single), simultaneamente a “I Can’t Stop Loving You” foi “You Don’t Know Me”, ainda que tenha ficado longe do extraordinário sucesso da canção de Don Gibson. “You Don’t Know Me” havia feito sucesso originalmente na voz de Hank Williams e de autoria do mesmo Hank Williams, Ray Charles inseriu “You Win Again” e “Hey, Good Looking” no álbum ‘Modern Sounds in Country & Western Music’. No Volume II destacam-se os clássicos do Country & Western “Your Cheating Heart” (também de Hank Williams), “Take These Chains from my Heart” (sucesso original na voz de Hank Williams em 1952), “Making Believe” e “Oh, Lonesome Me”. A faixa “You Are My Sunshine” contou com a participação das ‘Realetts’, o quarteto vocal liderado por Margie Hendrix que acompanhava Ray Charles nas apresentações ao vivo, como a que ocorreu no Brasil em 1963. Nessa canção Margie ofusca o próprio Ray Charles com uma empolgante interpretação. As tradicionais canções Country & Western dos dois álbuns passaram a ser conhecidas (e admiradas) pelo grande público graças ao admirável trabalho de Ray Charles nesses dois álbuns históricos.

Ao centro apresentação de Ray Charles e Orquestra em São Paulo, em 1963.
Ray não está no piano e sim solando ao saxofone.

Ray Charles e Frank Sinatra, que
também gravou
"I Can't Stop Loving You".
Com produção de Sid Feller em parceria sem crédito do próprio Ray Charles, ‘Modern Sounds in Country and Western Music’ volume I contou com arranjos e condução da orquestra dos maestros Gerald Wilson e Gill Fuller. O maestro Marty Paich foi o responsável pelos arranjos das cordas e do coro. Porém foi mesmo Ray Charles quem reorientou os arranjos, tendo reescrito inteiramente alguns deles. Além de Don Gibson, também Kitty Wells e Roy Orbison haviam gravado “I Can’t Stop Loving You” antes de Ray Charles. Entre os muitos cantores e cantoras que posteriormente gravaram essa canção estão Elvis Presley, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Jerry Lee Lewis, Van Morrison, Conway Twitty, Ricky Nelson, Connie Francis, Andy Williams, solmon Burke, Jim Reeves e Tom Jones. Count Basie e Orquestra gravaram versão apenas instrumental em 1963. “I Can’t Stop Loving You” sem dúvida puxou as vendas do álbum ‘Modern Sounds in Country and Western Music’, disco relacionado em praticamente todas as listas de álbuns mais importantes da história da música norte-americana, sendo considerado um marco fonográfico. Mais que nenhum outro disco ‘Modern Sounds in Country and Western Music’ fez com que a discriminada e humilhada música Country & Western passasse a ser conhecida, admirada e gravada em todo o país pelos mais renomados artistas. Só mesmo um gênio como Ray Charles seria capaz de tal proeza.


O jovem Ray Charles, no auge da criatividade artística.

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